Sexualidade – Terapia – Espiritualidade – Psicologia Corporal

Sexualidade – Terapia – Espiritualidade

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O que do seu passado está bloqueando a sua Sexualidade? À luz da psicanálise freudiana, sexualidade pode ser entendida como uma energia instintiva direcionada ao prazer (BEARZOTI, 1994). O potencial do organismo humano na sua profunda e inquestionável “ânsia pela vida”, tendência ao prazer e à expressividade. Quando fazemos essa pergunta estamos colocando a pessoa humana na linha do determinismo psíquico, onde o que aconteceu no passado está dificultando a expressão atual da sua sexualidade.

Por debaixo do conceito da sexualidade, vamos encontrar toda a teorização do movimento da libido, e nos reportaremos às fases demarcadas do desenvolvimento libidinal da Teoria da Sexualidade de Freud. Esse bloqueio se perpetuaria através dessas fases, por meio de pendências nas suas resoluções, em razão da ocorrência de problemas e/ou de fatos traumáticos. Fato que oneraria a livre movimentação da libido em direção a sua expressão genital adulta, com conteúdos pré-genitais.

Segundo Bedani e Albertini (2006), Reich, na sua fase sexo-política, ressalta a interdependência e a estreita interligação entre sexualidade e política, e retoma a idéia de uma relação antagonista entre “os instintos, ou ego, do recém-nascido” e a organização econômico-social; um embate entre as necessidades instintuais do indivíduo e a sociedade capitalista, onde esse indivíduo, elo mais frágil, ficaria com as conseqüências desse confronto na sua psique. Na referida fase, Reich faz menção a uma visão positiva e favorável ao sexo que prevalecia em algumas sociedades primitivas, em contrapartida à política anti-sexual que foi se estabelecendo no momento que a economia capitalista se instalava (BEDANI e ALBERTINI, 2006).

Há quatro séculos, teria se iniciado uma repressão sexual por parte de uma sociedade burguesa, antes a qual, segundo Foucault:

As práticas não procuravam o segredo[…] Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam (FOUCAULT, 2011, p.9).

Para Foucault (2011), a história da sexualidade sob o prisma da repressão sexual estaria marcada por dois grandes momentos de mudança: a partir do século XVII começa a se instalar fortes proibições, clima de silêncio e mistério, corpos velados e pudores da linguagem; outro momento, no século XX, quando essa repressão passaria por um afrouxamento, marcado também por uma queda de tabus em relação à sexualidade infantil, e a quebra do silêncio, onde o sexo é levado a se confessar, a se manifestar, em meio a própria repressão reminiscente.

Dentro desse ambiente histórico do início do século XX, apoiado na obra de Freud, Reich inicia um projeto de pesquisa e experimentação no intuito de identificar a fonte de energia que mantinha o núcleo neurótico. Verificou que todos os pacientes, sem exceção, estavam seriamente perturbados na sua função genital” (REICH, 2004, p.93). Levou muitos anos para identificar a causa dessa perturbação, desse enfraquecimento na potência genital que impossibilitava o indivíduo de obter um desfrute e um expressão plena durante o orgasmo sexual. A perda dessa capacidade acarretaria na humanidade uma cisão tão grande e a perpetuação de uma neurose coletiva. Reich identificou na energia não plenamente descarregada, a fonte dos sintomas neuróticos (REICH, 2004). Observou que não haveria possibilidade de se falar de cura psíquica ou resolução positiva de um processo de análise, sem que se tivesse restabelecido aquilo que chamou de Potência Orgástica. Segundo Reich (2004), através do restabelecimento dessa potência o indivíduo reinstalaria no seu organismo as seguintes qualidades: permissão de movimentos prazerosos involuntários da pelve e do corpo e a capacidade de abandonar-se nessas sensações; capacidade de descarregar completamente a excitação sexual por meio de uma profunda entrega ao ato, com perda momentânea da consciência de si. Outra característica importante existente na Potência Orgástica é o estado de presença. É a capacidade de se estar presente e com a personalidade afetiva concentrada na experiência, apesar de todos os devaneios, conflitos e fantasias psicológicas. Para Reich (2004), a dinâmica da sexualidade pré-genital, ou seja, das fases do desenvolvimento libidinal anteriores ao estabelecimento da libido na fase adulta, é bem diferente da sexualidade genital adulta. Naquelas fases, os conteúdos psíquicos conflitivos não resolvidos e a repressão sexual ocorrida, provocam uma estase da libido e uma catexia desses conteúdos que enfraquecem a plena expressão da sexualidade. Considerando a definição da sexualidade como:

[...] energia vital instintiva direcionada para o prazer, passível de variações quantitativas e qualitativas, vinculada à homeostase, à afetividade, às relações sociais, às fases do desenvolvimento da libido infantil, ao erotismo, à genitalidade, à relação sexual, à procriação e à sublimação (BEARZOTI, 1994, Vol.52 nº1).

Podemos avaliar o quanto esse bloqueio afetará a vida do indivíduo, limitando a sua expressão; prejudicando a capacidade de sentir prazer e de ir em busca desse prazer; perturbando o equilíbrio do organismo e sua sobrevivência; trazendo sérios distúrbios para as suas relações afetivas, para o seu trabalho, responsabilidade social, criatividade e tantos outros aspectos.

Alguns autores da contemporaneidade e pós-estruturalismo, tais como Michel Foucault (2011), criticam a visão de Reich sobre a questão da repressão e liberação da sexualidade, por acreditarem ser demasiada tímida e reducionista num assunto de tamanha complexidade e que envolve aspectos mais abrangentes, como menciona na introdução dos seus estudos sobre a história da sexualidade referindo-se ao processo de liberação da sexualidade: Portanto, não se pode esperar tais efeitos de uma simples prática médica nem de um discurso teórico, por mais rigoroso que seja (FOUCAULT, 2011, p.11).

Após uma breve contextualização, partiremos agora para a explanação do Método Dialético, dissecando seus estágios, relacionando-os aos aspectos ontogenéticos e segmentares da dinâmica reichiana, além dos seus efeitos na clínica. Desde criança, segundo Reich, por medo da angustia e das sensações prazerosas, aprendemos a manter uma tensão constante no abdômen e a contrair e a “fixar” o diafragma, desenvolvendo uma atitude inibitória da respiração (REICH, 2004). Essa “respiração curta” encarna uma das primeiras e principais atitudes na supressão da sexualidade, e na defesa em relação ao medo da vida, e vai nos acompanhar ao longo da nossa existência. O primeiro estágio da técnica terá uma ação direta nessa contenção respiratória, sugerindo ao paciente a adoção de uma respiração mais profunda, inalando e exalando o ar pelo nariz, utilizando simultaneamente o tórax e o diafragma. Aos poucos, pede-se ao paciente um aumento gradativo do ritmo respiratório, sem prejuízo da profundidade e da quantidade de ar. Aumentando-se a mobilidade torácica e diafragmática, aumenta-se a capacidade vital do organismo e o volume corrente, começando portanto uma atuação no aspecto mais genérico e mais importante do encouraçamento: a contenção respiratória (TROTTA, 1999). Recomenda-se a utilização dessa intervenção corporal em pacientes que já estejam em processo de desencouraçamento de primeiro e segundo segmento, e análise caracteriológica. Para pacientes com muito bloqueio de primeiro segmento, com questões relacionadas às fases primitivas do desenvolvimento, é importante manter os olhos abertos e focalizados em algum ponto, caso contrário, nestes casos, poderá haver um aumento do bloqueio de primeiro segmento. É importante manter-se o devido contato ao longo da prática, para todos os pacientes. Contato consigo, com as próprias sensações, emoções, pensamentos, imagens, memórias, etc. Mantendo esse contato, o paciente é incentivado a entrar no segundo estágio da técnica, onde muita emoção, afeto, mágoa, raiva reprimida poderá emergir em função da respiração inicial, profunda e não cadenciada. No primeiro estágio ocorre um relaxamento dos esfíncters, e tem ação nos problemas de prisão de ventre e retenções próprias da analidade. Já no segundo estágio, trabalha-se conteúdos da oralidade e assertividade. Pode-se expressar com gritos, caretas, pulos, gesticulação, socos em almofadas, dança, risos, torcer ou morder toalha, etc, ou seja, desencouraçamento de segundo e quarto segmentos (TROTTA, 1999). No terceiro estágio vamos sugerir ao paciente que estique seus braços para cima com as palmas das mãos voltadas para fora, mantendo os pés bem firmes em contato com o chão, joelhos levemente flexionados e a pelve solta, como Lowen sugere na postura que denominou de “prazer de estar vivo” (LOWEN e LOWEN, 1977), compondo duas ações complementares simultâneas: ir em direção ao chão (grounding); e esticar-se em direção ao céu. Simbolicamente, o animal humano pode ser visto aí como uma interseção entre o que está embaixo e o que está em cima. Entre o animal e o divino. Uma ponte entre o sexo e a espiritualidade. Trabalha-se nessa postura conteúdos relacionados ao sétimo segmento, e o embasamento postural. Sugere-se ainda que o paciente comece a saltar, golpeando simultaneamente os calcanhares no chão; trabalhando deste modo conteúdos da fase anal (pisar, esmagar) (TROTTA, 1999). Ao mesmo tempo que começa a emitir o mantra sufi “Húúú!”, focalizando a atenção na região do abdômen. Esse som, sendo proferido com intensidade, paulatinamente, poderá abrandar certas tensões comuns à região abdominal, permitindo assim a passagem de correntes vegetativas para a pelve, pernas e pés, trazendo a possibilidade de evocação de conteúdos do sétimo segmento tais como: angústia de castração; sado-masoquismo anal e fálico; ansiedade orgástica e ansiedade de queda (TROTTA, 1999). No quarto estágio dessa técnica vamos pedir ao paciente que ele simplesmente pare. Congele os movimentos do seu corpo e permaneça imóvel.

Em teu silêncio eu te direi que sejas apenas uma testemunha – um vigilante constante: sem nada fazer, […] apenas permanecendo ali, e então, silenciosamente testemunhando o que ocorre.(RAJNEESH, 1976, p. 44 e 45).

Esse é um momento de síntese, de integração, de assimilação de tudo que foi trabalhado nos estágios anteriores, e também ao longo do processo terapêutico. É como aquele momento na sessão quando terapeuta e paciente permanecem por um tempo em silêncio, e as palavras caem, e o reino do simbólico assume o “setting” terapêutico com totalidade. A escuta terapêutica atinge seu ápice. É nesses momentos raros onde a cura se dá através da síntese e do mais além. Algo além da análise e da síntese. Algo como uma revelação.

É importante se preservar o trabalho de contato relacionado ao primeiro segmento reichiano durante todo esse “acting”. Nesse quarto estágio da técnica, com a imobilidade corporal após muitas ações, o contato consigo se destaca, e pode, com o tempo, se transformar na qualidade de presença e concentração da personalidade afetiva durante o ato sexual (uma das características importantes da Potência Orgástica já mencionada neste artigo) (REICH, 2004). O quinto estágio da técnica consiste numa dança livre para soltar o corpo.

Considerações finais:

Após vinte anos de utilização do Método Dialético, também conhecido por Meditação Dinâmica, ou Meditação Caótica, criado por Rajneesh (1976), num trabalho de experimentação e observação, em nós mesmos e nos nossos pacientes, na clínica e nos workshops, temos observado a sua contribuição na evolução do processo terapêutico. Essa evolução se torna visível em aspectos como: mais disponibilidade para a auto investigação, vigor, clareza de percepção, propriocepção e sobretudo um aumento na capacidade de contato e de síntese. Gradativamente, à medida que trabalha-se as questões do passado, concedendo-as novos sentidos e significados, vai emergindo uma verticalidade no indivíduo, uma integridade, uma crescente capacidade de auto aceitação, uma verdadeira dignidade espiritual. Como diz o neo-reichiano Boadella (1997), criador da Biossíntese:

O trabalho espiritual que busca desenvolver os centros superiores da consciência enquanto ignora ou reprime os inferiores torna-se rapidamente uma pirâmide instável que fracassa num monte de areia. O trabalho terapêutico que se concentra em quebrar as defesas e abrir apenas para a dor do passado pode acabar nos deixando como andarilhos feridos(BOADELLA, 1997, p.125).

Por essa razão o trabalho terapêutico precisa seguir uma linha dialética (não linear), e nada pode ser deixado de fora, negligenciado. Neste artigo falamos de sexo, terapia e espiritualidade, e apresentamos um procedimento corporal de considerável valor na evolução do processo terapêutico, onde trabalhamos com a dissecação analítica, com a experiência de síntese, e ainda mais, com uma visão da totalidade. Cuidamos dos nossos pacientes ajudando-os a descobrir a sua totalidade (BOADELLA, 1997), obviamente cuidando e preservando a nossa própria totalidade e integridade. Cuidamos dos bloqueios mais primitivos da personalidade humana, sem nos esquecermos da expansão da consciência. No silêncio, cuidamos dessa expansão, ao mesmo tempo que voltamos a começar desde o princípio, nas fixações mais primitivas. Sempre seguindo os mapas que a Psicologia nos dá. Trançando os mapas para poder caminhar. Isso fornece o chão, para juntos, terapeuta e paciente, caminharem como parceiros momentâneos do trajeto. A cada momento, encontrando novos sentidos, e seguindo… Segundo Stolkiner (2008), um dos aspectos do Pensamento Funcional de Wilhelm Reich é o movimento da vida ad continuum, onde não há um paradeiro para os inúmeros processos de vida. A vida é movimento puro. Esse profundo insight de Reich encontra ressonância nas declarações de seres humanos como Buda:

[…] há apenas este mundo impermanente de processos  – este mundo como fluxo, este vórtice de realidade… tudo impermanente e em constante mutação: nada é permanente. (OSHO, 2011, p.142).

Talvez, por essa razão, tentamos desesperadamente, o tempo todo, fixar algo dentro (noção do eu); e algo fora (STOLKINER, 2008). Para Reich, em algum momento de um passado longínquo o animal humano assombrou-se ao pensar sobre si mesmo (pensamento reflexivo); ao sentir-se; perceber-se; ao deparar-se com uma consciência que percebia a si mesma, e a natureza ao redor (REICH, 2003). No nosso entendimento foi o começo do inevitável divórcio da natureza. A primeira mordida de Eva na maça. Provavelmente, o início do encouraçamento (BAKER,1980) (REICH, 2003). Então, se o encouraçamento primordial teve início com a percepção desse “eu” em oposição a tudo o mais, e a toda natureza; no que consistiria o desencouraçamento definitivo? Na desconstrução desse “eu”? Na sua dissolução e conseqüente restabelecimento da ordem natural, da superposição cósmica? Para nós, essa se converte na questão fundamental da Psicologia. Seria a couraça básica da qual todas as outras emergiriam, o nosso próprio “eu”? Buda afirma que isso não pode ser entendido intelectualmente (OSHO, 2011). E nos deu uma técnica. Chamou essa técnica de Meditação. O que é Meditação?

Meditação é pouco a pouco se tornar desprovido de pensamento; não caindo no sono – permanecendo alerta, mas ainda assim se tornando desprovido de pensamento. Uma vez que os pensamentos desaparecem, tudo fica claro como um cristal – fica claro que o pensador, o eu, o self, era apenas um subproduto dos pensamentos em movimento. Era um feixe de pensamentos e nada mais. Ele não tinha existência separada. (OSHO, 2011, p.136).

No nosso entendimento, aqui chegamos a um significado e a um desdobramento muito profundo do pensamento funcional de Reich. Uma realidade ao mesmo tempo, encantadora e assustadora! Sentimos que o insight da mensagem de Wilhelm Reich vai muito além do desbloqueio das couraças e estabelecimento da potência orgástica para a obtenção da cura e da saúde. No nosso entendimento, o desenvolvimento apontado em direção à Potência Orgástica, pode encontrar nesta um portal para uma verdadeira expansão espiritual. Ele nos atira a uma realidade desprovida de Self e de Deus, onde o que existe são infinitos processos de vida.

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