A pele que habito – Psicologia Corporal

A pele que habito

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A necessidade do pertencimento é fundamental aos seres humanos. Necessitamos pertencer a alguma pessoa, família, instituição, grupo ideológico, nação, etc. Mas sobretudo precisamos poder contar com um “lugar” para habitarmos, de uma casa, de um lar.

Uma casa está no mundo, é do mundo, é feita de mundo, mas tem paredes. Tem um espaço bem demarcado, para que você possa, de vez em quando, repousar das agitações e incertezas da vida.

Um lugar para você recarregar as suas energias e ficar pronto para uma nova investida nos mistérios lá fora (MOURÃO, 2012). 

Porém, esse território bem demarcado, tem janelas e portas, que são as formas de troca com o ambiente, de respiração e intercâmbio com o mundo. Ao mesmo tempo é o lugar para se ficar sozinho e relaxar na sua singularidade. Simplesmente ser você mesmo e poder fazer as coisas do jeito que gosta.

Abrir as portas para receber os amigos tem um sabor todo especial. É um grande prazer poder compartilhar um espaço tão peculiar, um cantinho seu, nesse mundo imenso, e convidar algumas pessoas para entrar.

Essa casa precisa ser confiável para se poder habitar e relaxar. Assim como preservar o familiar e estar ancorado para receber o estranho. Um lugar de pouso e ao mesmo tempo de trampolim para o vôo em direção ao mundo externo.

É justamente a partir desse lugar que você pode lançar-se para fora o ou recolher-se, para o seu interior. Em hipótese alguma ela (a casa) exclui o mundo enquanto lugar de exploração e as suas inter-relações, mantendo-se um refúgio de proteção e simultaneamente de fruição entre o dentro e o fora.

Essa casa pode ser feita de tijolos e cimento, mas também pode (ou deve) ser constituída de pele, de corpo, de material psíquico, de eu, de eu-pele.

Observa-se na clínica dos pacientes que sofreram algum dano na constituição desse processo primordial de integração psicossomática, um desalojamento do corpo, um alheamento de si mesmos, como almas desencarnadas vagando numa existência vazia e sem sentido.

O corpo se esvai, a casa se esvai, e eles se tornam existencialmente os sem-teto, os moradores sem casa (MOURÃO, 2012).

Antes de podermos habitar uma casa de cimento e tijolos, necessitamos habitar o nosso corpo, o nosso eu, o nosso eu corporal.

A clínica psicanalítica tem passado por um longo processo de reflexão, devido a uma série de impasses, provocados por um aumento de indivíduos que aparecem com problemas relacionados à organização narcísica. Como diz Freud “…uma unidade comparável ao Eu não existe desde o começo no indivíduo; o Eu tem que ser desenvolvido.” (FREUD, pág. 18 e 19, 2010c). Verificamos portanto, que estamos lidando com um grupo de pacientes onde a constituição do eu não se apresenta de forma estabelecida.

Nesses pacientes, denominados de “modernos”, fica evidente a necessidade de uma reconstrução de uma ego corporal, cuja organização não ficou totalmente preservada. (Como habitar uma casa que ainda não está bem formada? Como repousar dentro de uma estrutura que deixa falhas, aberturas, vazamentos, etc ? Como diz o senso comum: “Temos que arrumar a casa!”, ou seja, temos que reconstruir essa estrutura, retomar essa organização, isto é, se o dano não foi muito forte nos seus alicerces mais profundos.)

Nesses casos, durante o processo analítico, a questão do recalque perde o lugar central que ocupou com relação às primeiras funções de defesa do eu, em razão da iminência da retomada do desenvolvimento e da reconstrução do psiquismo. Estamos lidando aqui com os “novos doentes da alma”, na denominação da filósofa e psicanalista búlgara, Julia Kristeva (FONTES, 2011).

Uma casa mal construída fica à mercê de ataques do mundo externo: chuvas, sol, tempestades, ventos, ladrões, invasores, etc. Do mesmo modo, o excesso de excitações do mundo externo pode perturbar e invadir um eu mal organizado.

Porém, um ego fraco não está somente vulnerável aos excessos de excitações externas. Ele pode ser alvo de excessos internos e eventuais ataques do inconsciente.

Sabemos que o ataque súbito de pânico (Síndrome do Pânico, muito comum nos dias de hoje), é uma reação aguda de um excesso de excitação interna, que o eu não consegue administrar a contento, e parece não dar conta (a função continente do eu-pele estaria ameaçada, possivelmente por uma falência na sua constituição, como vimos anteriormente nesse trabalho no caso do eu escorredor).

Outro aspecto da síndrome é o conteúdo interpretado pelo organismo como estranho a ele mesmo Podemos supor que o sentimento de estranheza vem de um abalo da função manutenção psíquica do eu-pele? Pois aquilo que nos aparece como bizarro e estranho vindo de dentro de nós mesmos, deve obter esse julgamento por parte do nosso eu, justamente por quebrar o sentimento de constância, que normalmente acreditamos ter – ou temos – de que somos nós mesmos que estamos aqui, fomos ontem e seremos amanhã?

Quando o perigo é externo, tal qual um edifício pegando fogo, tentamos nos defender saltando ou fugindo do fogo, tendo em vista que ele (o perigo) é visível e externo a nós. Mas quando esse perigo é invisível e interno, dentro de nós…

É um estranho inominável, um desconhecido que habita, invade, e domina a vida do indivíduo. O que fazer? A pessoa se vê ativada das respostas-padrão de luta ou de fuga, mas o que adianta? Lutar conta quem? Fugir de que? Nesse acometimento, o indivíduo estranha as suas sensações corporais. O funcionamento do seu corpo é interpretado como algo estranho e ameaçador. A falta de confiança no próprio corpo e nas sensações corporais, desequilibram profundamente a pessoa no momento do ataque, e deixa uma marca de medo que aquilo possa voltar a ocorrer, nos períodos após o término do ataque (SCARPATO, 2001).

Enfim, necessitamos realmente ter construído uma casa-eu-corpo muito bem estruturada e fundada, para podermos habita-la e sentirmos apoiados e seguros nessa vida.

Porém, não podemos nos esquecer que essa casa é também uma crença. A crença é também uma necessidade humana e subjaz nossa vida. É impossível viver, sem acreditarmos que estamos vivendo. Precisamos acreditar no mundo circundante, na sua realidade, para podermos percebê-lo. Acreditamos em nosso estado de vigília, simplesmente porque acreditamos que estamos acordados. Do mesmo modo que é necessário acreditar que somos uma pessoa, um eu, uma identidade, e que existe uma continuidade dessa identidade. No entanto, essas crenças não são conhecimentos, e são perfeitamente passíveis de serem contestadas, se são verdadeiras ou falsas.

Inclusive, verificamos que no âmbito do conhecimento, a filosofia, a literatura, as religiões, a ciência psicológica, não triunfaram no sentido de justificar essas crenças, e tampouco de refutá-las.

O ser humano, que possui bem consolidada a crença num eu bem estruturado e forte, pode até se dar o luxo de questioná-la, de colocar a sua própria existência em dúvida. Porém, aquele que não possui tal crença, deve procurar adquiri-la no intuito de se sentir “ser” e bem. Do contrário, vai sempre sentir a dor e a lamentação da sua falta (ANZIEU, 1989).

Em suma, o eu-lar, é uma crença que nos dá a ilusão de apoio a toda nossa existência humana, mas sobretudo, é uma crença que nos é muito cara.

Alexandre J. Paiva
Alexandre J. Paiva
Psicólogo CRP 5/49933 Especializado em Psicoterapia Corporal com atendimento clínico (PRESENCIAL ou via SKYPE) sob a vertente de Wilhelm Reich. Trabalha orientado também pela visão da Experiência Somática de Peter Levine.

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